Rosa Araujo
"Na casa da minha vó
Muita coisa boa há
Muitos tios muitos primos
Muita comida que dá
Pra alimentar todo mundo
Que vive passando lá"
Abdias Campos
Os fins de semana da minha infância eram sempre uma aventura.
Saía do bairro cheio de apartamentos para a cidade cheia de árvores e ruas de terra batida onde minha avó morava.
Eu e minha mãe, invariavelmente acompanhadas do resto da família, pegávamos três conduções até chegar. A que eu mais gostava era o trem.
Lembro da sensação maravilhosa de estar dentro de uma "cobra de metal" como minha imaginação chamava o veículo. Dentro da barriga dela, tinha de tudo o que você possa imaginar: gente vendendo balas, sorvetes, agulhas para roupa, pessoas cantando, animais ( sim, nas estações mais próximas dos subúrbios entrava gente com galinhas, bodes, achava aquilo incrível!). Eu ficava extasiada olhando aquela balbúrdia onde todo mundo se entendia.
Algumas vezes, uma das minhas priminhas pequenas cismava que queria comer alguma coisa no trem. A gente sabia que ela nem estava com vontade,era só a novidade de estar dentro do trem que a fazia sentir fome. Minha tia dizia que não ia dar,porque ela ia enjoar com o balanço da condução e ia vomitar, mas ela batia o pé " Eu QUEEEEEEROOOO!" . Pronto. La vinha o fuzuê armado. Era minha tia gritando, minha prima chorando,o resto da família mandando as duas calarem a boca,aquela confusão toda de gritos, para a menina acabar ganhando o que queria. Ela sempre conseguia, não sei porque minha tia não dava logo quando a menina pedia…
Quando o trem chegava ao seu destino, saltávamos e pegávamos um ônibus perto da estação.
Era uma correria para passar por baixo da roleta do ônibus. Passávamos todos por baixo da roleta e eu de olhos grudados na minha mãe, para ver se ela estava lá me esperando. Sempre achava que se não tivesse olhando a minha mãe, ela iria sumir..
A parte em que pegávamos esse ônibus também era muito interessante para nós, crianças inquietas. Ele ia por uma estrada bem comprida e sacolejante. Parava a cada instante para pegar um passageiro que ia visitar um parente na cidadezinha do interior ou morador que porventura tivesse ido fazer alguma coisa fora.
A estrada era ladeada de um matagal enorme e ficávamos pensando se havia mesmo moradias nesse lugar.
As pessoas pareciam saídas daqueles quadros de consultórios médicos, com roupas antiquadas, chapéus grandes e vestidos compridos.
Inventávamos histórias de cada um deles, pensando em finais os mais absurdos possíveis.
Mas, o ponto alto da viagem era quando o ônibus passava em uma ponte sobre um largo rio que funcionava como limite entre uma cidade e outra.
Crianças de cidade que éramos, quando víamos o rio, todas as vezes gritávamos:" Olha que água brava! Será que algum peixe sobrevive nessa água?" Meu primo, virando o olho, sempre respondia:" Claro, né, gente ? Como vocês são burros! Já viram peixe morrer na água?!" , Daí começava uma discussão que peixes morrem na água sim, e outra gritaria até chegarmos ao ponto em que a casa da minha avó ficava.
Minha mãe agarrava a minha mão e de mais um sobrinho, minhas tias as mãos das outras crianças e era aquela confusão para descer:" perai, motorista, vai descer com criança!!!!" E lá íamos nós correndo quase se esborrachando no chão.
Pulávamos os degraus segurando nas mãos de nossas mães e soltávamos assim que nossos pés tocavam o chão de terra batida da casa da minha avó.
Corríamos soltos, como não podíamos fazer na cidade, gritando, com os cabelos voando e já com os sapatos nas mãos.
As mães gritavam:" cuidado! Vão ralar o rosto na terra!",mas não queríamos nem saber. Queríamos chegar na casa da avó, que com certeza já estava esperando com uma comida gostosa e várias histórias engraçadas da vizinhança.
E a avó estava sempre lá, em pé, embaixo de uma aroeira,com seu cigarrinho de palha na boca, sua saia florida e mão na cintura:" bora, criança! Bora, que a fome num ispéra!"
"Bença, vó?", "Oxalá que bençoe ceis tudo, criança!"
E lá íamos nós, felizes, sob as bençãos da vozinha, vivermos o fim de semana de crianças do interior.
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