“Nossas lágrimas são insubmissas” é um livro de poesias publicado pela editora Mandru, que tive o prazer de conhecer e adquirir na Feira Literária de Paraty, edição de 2023.
Seu autor, Jeferson Garcia, traz poesias de luta em cada verso, que revira sentimentos e
arranca o leitor de sua zona de conforto, denunciando a violência, os abusos, os assassinatos e genocídios diários que acometem a sociedade, especialmente aos mais vulneráveis. Invisíveis para muitos, são personagens centrais das reflexões do autor, afiadas como facas apontadas para o sistema, que é desigual, excludente, destrutivo por natureza.
As lágrimas são insubmissas porque ser insubmisso é a única alternativa que resta. É a única chance de sobreviver, abrir os olhos, rebentar as correntes e atear fogo ao capitalismo. Fica nítido em seu texto a inspiração poética latino-americana, sustentada nos ombros de grandes poetas como Mario Benedetti, Pedro Lemebel, Carlos Drumond, Pedro Tierra, Eduardo Galeano e tantos outros.
Nicanor Parra dizia, a “poesia foi um objeto de luxo/ mas para nós/ é um artigo de primeira
necessidade”. É a biografia dos povos em metáforas, e essa biografia apresenta episódios que nem sempre são felizes.
Por tudo isso, gosto muito do lema da própria editora Mandru, que nos diz: “Menos formas e flores, mais fomes e fatos”.
Meu poema favorito do livro tem o título: “Nunca saberemos todos os nomes”. Só para dar
uma ideia aos leitores da resenha, tomei a liberdade de transcrever uma de suas estrofes.
"O dia começa: morreu mais um de nós Irmãos anunciam:
sabemos seu nome
Avistamos seu corpo abatido, teu olhar perdido
Sabemos sua causa mortis
Era preto, era pobre
Era discípulo de Exu
Não tinha sangue nobre
Todo preto ainda morre pelo estalo do chicote."
Devo ainda destacar a qualidade gráfica incrível desta obra. No interior do livro há várias
gravuras da série “Os desastres da Guerra”. Na capa utilizou-se a pintura: “Três de maio de
1808 em Madri”, de Francisco de Goya.
Para quem não sabe do que se trata, 44 revolucionários foram juntados e fuzilados na noite
de 2 a 3 de Maio na colina do Príncipe Pío, em Madrid. Este é o episódio que Goya mostra no
seu quadro. A lenda conta que Goya, com 62 anos, após ter seguido de longe os acontecimentos, ter-se-ia chegado, mais tarde, com uma lanterna ao lugar dos fuzilamentos.
Para finalizar, transcrevo mais um trecho do poema que dá o título à obra: “Nossas lágrimas
são insubmissas”.
"— Só esperamos
Que não demore
Para perceber
Que estamos do seu lado
Que nossas lágrimas
Cedo ou tarde
Serão suas
Nosso luto
Poderá ser
Do seu velório
Ou daqueles
Que você ama."
Por mais reflexões como essa. Por mais fomes e fatos.
Resenha por: Rodrigo Monsores
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