Rosa Araujo
Iemanjá, Iemanjá,
No fundo do mar tem areia
Areia do fundo do mar
Em cima do mar tem as ondas
Ondas que vão me levar
Num barco enfeitado de flores
Pra ouvir a sereia cantar
Caminhava pela areia da praia de cabeça baixa, pensativa. Fazia calor naquela tarde, quase noite de 31 de dezembro. Um calor úmido, salgado, que dava para sentir o gosto na língua.
Remoía as desventuras que a levaram a estar agora nas areias de Copacabana, sozinha, no último dia do ano.
Durante o ano que passou, tentou ser uma funcionária competente em seu trabalho, realizando suas funções de forma diligente, cumpriu o papel de mãe e esposa com todo o zelo que poderia ter. Em sua cabeça, a reviravolta em sua vida não fazia sentido! Como pode ter acontecido tantas coisas em um espaço tão curto de tempo!
Seu marido, um homem alegre,sempre de bem com a vida,tão companheiro, descobrira um câncer de próstata muito avançado, já sem possibilidades de cura. Em meados de outubro, perto do aniversário dele, foi embora deixando-a fora do ar.
Seu filho, um jovem de 18 anos, revelou à mãe ser dependente químico. Com a doença e morte do pai, a dependência se agravou de tal modo que ela decidiu interná-lo.
Então, neste dia de tantos pedidos de renovação, ela resolveu ir sozinha até a praia de Copacabana para pensar um pouco e jogar umas flores para Iemanjá.
Caminhou um pouco mais, até um ponto em que tinha menos gente. Parou e jogou as rosas brancas que tinha nas mãos, uma a uma. Em cada rosa ia um pedido.
Estava nesse ritual, quando percebeu que um senhor de cabelos brancos, vestido todo de branco, pele negra a observava de longe. Ela ficou um pouco incomodada,mas, terminou seus pedidos e foi se virando de costas para o mar, para ir embora da praia. Quando virou,viu o senhor parado na sua frente. Tomou um susto, tentou desviar, porém, ele, com voz grave, disse - Não se aflija tanto assim filha! Uma benção neste novo ano virá até você, confie! Iemanja ouviu os seus pedidos! Tudo irá passar, tenha fé! - Ela, sem saber o porquê, abraçou o senhor e chorou tudo o que não havia chorado até então, suas lágrimas se confundiam com o gosto da maresia em sua boca. Ele abracou-a e cantou assim: "Ajoelhei-me na beira da praia, pra pedir proteção a minha mãe Iemanjá
A água que me batia, Iemanjá respondia; filha vou te ajudar"
Ele pegou uma concha da areia molhada,colocou na mão dela e disse: "vá, minha filha! Janaína, a Sereia do Mar vai atender o seu pedido!" . Ela apertou a concha na mão e já saindo disse: "ih, que engraçado, meu nome é Janaina, sabia?" Ela olhou para trás para ver se o senhor havia ouvido o que ela disse, mas, ele não estava mais lá.
Janaína achou aquilo um tanto estranho, mas, foi andando para casa. Ao entrar no apartamento, seu celular toca. Do outro lado, seu filho diz: "mãe, vem me buscar! Estou há um mês limpo e me liberaram para passar os dois dias de réveillon com você!". Janaína chorou muito com o celular em uma mão, a conchinha na outra,e se lembrou das palavras do senhor da praia. Um dos seus pedidos foi atendido por Iemanja naquela noite quente e salgada de fim de ano.
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